Thursday, April 16, 2009

O PODER DOS MOVIMENTOS CORPORAIS - ENTREVISTA

Durante o XI Fórum Internacional AWID, foi realizada a oficina "O Poder dos Movimentos Corporais" (do nome em inglês "The Power of Body Movements'"), atividade que aconteceu no primeiro dia do encontro e que teve grande repercussão entre as/os participantes. Com uma dinâmica que priorizava os sentidos e percepções em detrimento da racionalização e das discussões teóricas, esta sessão também explorou a potencialidade de recursos audiovisuais para dar evidência ao corpo como instrumento de empoderamento das pessoas, intercâmbio e transformação social. Entre tais recursos estava o vídeo homônimo à oficina, de seis minutos, produzido em parceria com o videomaker Ricardo D'Aguiar, para esta atividade.

Idealizada pela iniciativa Feminism: Speak Up! (formada por Angela Collet, cientista social com interesse em estudos sobre corpo-sensitivo e desenvolvimento humano, Aline Valentim, também cientista social e pesquisadora na área de danças e ritmos populares/étnicos brasileiros, e Valentina Homem, documentarista), a oficina tem a possibilidade de gerar desdobramentos. A seguir, confira entrevista com as três jovens, que falaram ao SPW sobre o projeto.


SPW - Qual era a proposta de vocês com a oficina “O poder dos ‘Movimentos corporais’”?
FSU - Desde o princípio a nossa proposta era criar um espaço alternativo dentro do fórum, que fosse na contramão dos formatos normalmente usados. Encontros como esse costumam ser quase cem por cento baseados em painéis, debates, discussões teóricas etc. Daí nossa idéia de concentrar nosso trabalho todo em estímulos audiovisuais e trabalho corporal, com o intuito de deslocar o foco, criar novas linguagens possíveis. Além disso, o “corpo” é um dos temas centrais do movimento feminista e movimento de mulheres, só que dificilmente ele é usado em espaços desse tipo. Fala-se muito sobre o corpo, mas no fundo presta-se pouquíssima atenção ao próprio corpo, ao corpo da/o outra/o (seja a saúde, a sexualidade, etc.). Dessa forma, desde o princípio, queríamos criar um espaço onde o corpo estivesse realmente no centro, não apenas como tema, mas como meio, fim, como uma ferramenta importantíssima e de enorme poder.

De maneira geral, todos os recursos utilizados por nós na sessão (tanto o vídeo quanto os recursos de áudio, os incensos, as velas, as comidas) tinham o objetivo de funcionar como estímulos sensíveis, que potencializassem os cinco sentidos das/os participantes. O vídeo “O poder dos ‘Movimentos corporais’”, que mostramos na sessão, tinha como objetivo chamar atenção para os temas que nos interessavam, tendo sempre o corpo como centro. O vídeo "fala" do corpo e seus vários sentidos, aspectos, funções, etc., usando imagens fortes, frases curtas e objetivas. Queríamos marcar a percepção das pessoas com algumas idéias sobre o corpo, gerando repercussão no trabalho corporal que se seguiu.

SPW - Como vêem o papel do corpo no processo de empoderamento e reconhecimento dos direitos das mulheres, especificamente?
FSU - Precisamos abrir espaço para novas formas de pensar e viver nesse mundo. Mesmo no interior de movimentos libertários como o feminista, seguimos reproduzindo formas de organizações e olhares ainda conservadores e fragmentados. Trata-se de iniciarmos outros processos, abrirmos novos canais, não apenas no interior do movimento, mas no fluxo de nossas vidas e de nosso olhar. Daí que colocar o corpo como elemento fundamental, onde todos os processos ocorrem, pode ser muito rico. Podemos construir consciência via corpo, práticas corporais. O corpo é o que temos de mais concreto, é o ponto de interseção da pessoa com o mundo e a história – o corpo “superfície de inscrição dos acontecimentos”, como diz Foucault. É evidente assim o seu papel fundamental em qualquer processo de empoderamento que se queria engendrar. Não só reconhecendo o corpo como lugar de violência e violação sofrida pelas pessoas (mulheres, homens, transgêneros, intersex), mas sobretudo entendendo este mesmo corpo como ferramenta fundamental para superar a violência e a violação sofridas. O corpo que não é só o lugar do abuso, mas também o lugar do prazer. E não só o lugar, como principalmente o meio.

SPW - O que destacam como desafio para que o corpo efetivamente seja reconhecido como instrumento de empoderamento no movimento social e nas políticas públicas?
FSU - É fundamental considerar o corpo das pessoas como ferramentas, como espaço concreto e veículo para compartilhar conhecimento, poder e transformação social. Isso significa que as pessoas devem não só falar do corpo, mas usar o corpo, olhar para o corpo. Acreditamos que existe uma quantidade sem fim de estigmas que se tornam barreiras à concretização disso, sobretudo dentro do próprio movimento feminista. O exemplo da prostituição ilustra bem isso. Em muitos espaços feministas, é impensável que uma mulher que venda seu corpo possa estar fazendo isso por opção e, muito menos, por prazer. Quando, na verdade, a prostituição acontecendo dessa forma pode ser entendida como um símbolo de empoderamento fortíssimo. Desconstruir estigmas como esse é fundamental nesse processo de reconhecimento do corpo como instrumento de empoderamento, seja dentro dos movimentos sociais ou para a construção de políticas públicas. Por outro lado, é fundamental que feministas e ativistas em geral comecem a usar mais o corpo de maneira “proativa”. Que se desloquem do discurso, da palavra e se toquem, se observem, dancem mais, façam mais exercício, se alimentem melhor. Que se conectem mais consigo mesmas/os e assim façam de seus próprios corpos uma arma poderosa da luta que integram.

SPW - Aline, como foi participar pela primeira vez do Fórum Internacional AWID?
FSU - Foi uma experiência realmente especial. Eu nunca havia participado de um encontro internacional dessa magnitude. Fiquei impressionada com a diversidade de realidades e especificidades culturais concentradas num mesmo espaço (...). Foram várias atividades simultâneas, muita informação, mas tudo funcionando muito bem. Minha maior satisfação foi poder levar uma proposta diferenciada para dentro daquele espaço, pois este excesso de informação, certamente um forte estímulo que amplia nossa visão sobre o mundo e suas complexidades, também pode dificultar um contato mais profundo entre as pessoas. A proposta da nossa sessão era justamente criar este “espaço vazio”, onde as pessoas pudessem entrar em contato com questões centrais em encontros como esse, mas a partir de outras vias e não apenas da exposição e discussão oral. Essa experiência aproxima as pessoas, potencializa, de certa forma, não só um contato pessoal subjetivo e emocional mais profundo, mas também ajuda a construir relações entre pessoas. Isso é desenvolvimento humano.

SPW - Quantas pessoas estimam ter participado desta atividade e qual é a avaliação de vocês sobre a oficina?
FSU - Cerca de 45 pessoas participaram. Pensávamos em trabalhar com 20 pessoas no máximo, principalmente por conta do tempo da sessão – 1h30. Ainda assim, o resultado do trabalho superou em muito as expectativas. Revelou como as pessoas estão não só abertas, mas desejosas de atividades como a que organizamos. Durante a formulação da sessão, conversamos muito sobre o impacto que trabalhar o corpo poderia gerar, as dificuldades que poderíamos enfrentar no sentido da resistência das pessoas em se permitirem movimentar, tocar e tocar outras pessoas. Mas a atividade fluiu perfeitamente e, ao final, era visível o clima de satisfação, alegria e tranqüilidade com que haviam passado por aquela experiência. Pessoas que nunca tinham se visto antes se abraçaram como velhas amigas e isto foi realmente emocionante. Esta é a prova de que se podem construir relações profundas e produtivas a partir de interações de outra natureza, que não apenas intelectual/racional.

SPW - Planejam dar continuidade ao trabalho que iniciaram no Fórum AWID?
FSU - Existem muitos planos. O primeiro deles é realizar uma oficina como essa no Rio de Janeiro. Usaremos a oportunidade pra aprimorar o formato que elaboramos. Além de fazer uma oficina mais longa, queremos incluir participantes de diferentes origens. Queremos também dar continuidade ao projeto com uma atividade no sertão pernambucano, com trabalhadoras rurais, onde combinaremos as oficinas corporais com oficinas de vídeo e digital “story telling”. Este projeto está ainda em desenvolvimento, mas pode acontecer em 2009. Ainda na Cidade do Cabo fomos “convidadas” para realizar a oficina em diversos lugares e estamos esperando a concretização disso também.

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